Luta antirracista tem de ser diária
Por Benedito Gonçalves*
-Enfrentamento à discriminação racial precisa ser prioridade nas instituições públicas e privadas, em toda a sociedade –
A Constituição Federal de 1988 traz, em seu bojo, uma grande variedade terminológica para se referir aos direitos fundamentais por meio do uso das expressões: “direitos humanos” (art. 4º, II); “direitos e garantias fundamentais” (epígrafe do Título II e art. 5º, § 1º); “direitos e deveres individuais e coletivos” (epígrafe do Capítulo I do Título II); “liberdades constitucionais” (art. 5º, LXXI) ou “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV).
Não obstante tal variação semântica, é notória a intenção do legislador em vincular os direitos fundamentais à dignidade humana, assim como insculpido no art. 1º, III, da Carta Magna. O princípio da dignidade da pessoa humana ampara, une e dirige o sistema constitucional em torno de outros princípios, como a liberdade, a solidariedade e a integridade física e psicológica.
Sob tal prisma, verifica-se que o racismo é um crime que atinge não apenas um, mas vários princípios fundamentais. É um mal que acomete não somente a vítima, mas toda uma coletividade, ferindo os direitos fundamentais do homem e atacando de forma indelével a dignidade da pessoa humana.
Tendo como lastro a preconceituosa ideia de superioridade de algumas etnias, o racismo representa uma das formas de segregação impregnadas historicamente na sociedade brasileira.
Analisando a Constituição em vigor, surge uma questão inevitável: como discutir a promoção da igualdade racial considerando o disposto no caput do art. 5º, que expressamente afirma a igualdade de todos perante a lei?
De fato, a igualdade nunca ocorrerá de forma plena, por inúmeros fatores. Além da cor da pele, fatores como a origem, o gênero, a idade e as deficiências distinguem os grupos sociais e personalizam o indivíduo como único. Em temor à indiferença, faz-se necessário analisar o indivíduo sob a ótica particular.
A violação, desse modo, não reside em tratar de forma desigual a humanidade diversificada, mas, sim, no tratamento discriminatório, vexatório ou degradante, haja vista alguns grupos demandarem maior apoio jurídico e político que outros.
Dessa forma, a busca pela igualdade não pode eliminar todas as diferenças entre os entes da mesma espécie, tornando-os absolutamente iguais. É o conjunto da diversidade que sedimenta a sociedade multicultural e pluralista.
Assim, o que se deve buscar, dentro da realidade, é uma equidade constante, não dissociando o direito à igualdade do conceito de justiça. Na tentativa de harmonizar o direito à igualdade com a justiça, Aristóteles afirmou:
— Justiça é tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual.
Portanto o enfrentamento à discriminação racial precisa ser prioridade nas instituições públicas e privadas, em toda a sociedade brasileira. A luta contra o racismo e a discriminação racial, em prol da defesa dos direitos fundamentais, deve ser diária, constante e permanente.
*Benedito Gonçalves é ministro do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral e corregedor eleitoral . É colunista convidado pela editoria de Opinião do GLOBO. Texto compartilhado pelo blogdellas.
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