As rosas não falam
Por Joaquim Falcão
“As rosas não falam”, diria o sambista maior, Cartola. Sobretudo a ministra Rosa Weber. A partir de hoje, segunda-feira (12), presidente do Supremo Tribunal Federal.
Indicada por Dilma Rousseff (PT) em 2011, quase nada fala. Não dá entrevista. Não vai à rádio ou televisão. Nem tem rede social. Não posta no Twitter. Não fala fora dos autos.
Em outubro de 2023, cairá na compulsória e sairá. Mandato curto. O que fará neste período? Qual seu projeto? Qual contribuição para a democracia?
O Supremo está sob ataque externo. Sobretudo dos Poderes Executivo e Legislativo. E milícias. Bolsonaristas ou não.
Mas não se entra em batalha com casa desarrumada. O Supremo está desarrumado.
Mais do que nunca, o país precisa do Supremo unido. Previsível e célere na maneira de decidir: quem, como e quando. O mal-estar é palpável.
A insegurança jurídica, a incerteza econômica e a imprevisibilidade política são alimentadas diariamente não por suas decisões. Mas pela maneira como são tomadas.
Não precisamos do irrealismo mágico de teorias importadas para explicar. Nem se desiludir com o Estado democrático de Direito.
O Supremo deixou de ser instituição convergente. Passou a ser um “intra-brigante”.
É detentor da palavra final, como rezava o ministro Celso de Mello. Mas, hoje, a palavra final não é do colegiado. Foi privatizada pelo individualismo e posições de alguns ministros. O Brasil ficou temporário. Em suspense judicial.
O cerne do mal-estar é a simbiose entre a privatização monocrática e o “pedido de vista-bloqueio”.
Faz 359 dias que o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista no processo que avaliaria decretos de Jair Bolsonaro (PL) sobre armas para a população. Provavelmente esperava passarem as eleições com um Brasil armado. Mesmo com a votação parcial de 3 a 0, paralisou o processo. Vista de conveniência.
O relator, ministro Edson Fachin, tinha que esperar a devolução dos autos. Marques não devolveu. Abuso de autoridade. Com impaciência democrática, nesta semana, Fachin agiu. Suspendeu parte dos decretos.
Argumentou: a matéria era urgente ante o risco de violência política na campanha eleitoral.
Foi autodefesa do colegiado, dos demais ministros, do Supremo e da democracia. Criou precedente. Não mais inércia diante de “pedidos de vista-bloqueio”.
A nova lei de abuso de autoridade, de 2019, diz que é crime, sob pena de detenção de seis meses a dois anos e multa, “demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento”.
O regimento interno do Supremo dá prazo máximo de 30 dias para devolver o processo. O Código de Processo Civil, dez dias. Depois o presidente coloca na pauta. Com ou sem o voto. Simples assim.
Por favor, ministra Rosa Weber, coloque ordem. Ministro não é supremo. Em nenhuma nação do mundo. A instituição tem que ser previsível. Ter prazos decisórios, segurança jurídica.
O devido processo legal pede que não se frequente palácios. Nem almoços com autoridades. Não se negocie. Sobretudo com partes processuais e interessadas. Não conversar em “on” ou “off” com a mídia. Que se queixem às rosas.
Não se expor festivamente aos lobbies judiciais e da advocacia. Agenda transparente.
Gilberto Freyre dizia que os juristas, por formalismo exagerado, se isolaram da realidade brasileira. Precisariam de psicanálise para reencontrá-la.
Talvez não tanto. Mas Sócrates dizia que o mais importante da vida era o “conhece-te a ti mesmo”.
Restaurar, dentro do Supremo, a maneira de decidir poderá ser seu maior legado para o Estado democrático de Direito. E assim, bate outra vez, com esperanças, o coração da Justiça.
JOAQUIM FALCÃO é membro da Academia Brasileira de Letras, professor de direito constitucional e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).
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